A cena de uma noite estrelada deve ser a primeira coisa que passa pela sua cabeça quando fala-se de Van Gogh. A intensidade e coloração da noite, que sempre lhe chamou mais atenção do que a do dia, e a projeção da imaginação do artista são pontos centrais da obra. Noite Estrelada, tela que ocupa uma das mais visitadas salas do MoMA (Museum of Modern Art), explicita as pinceladas vigorosas e camadas espessas de tinta, chamadas de impasto ou empaste, para criação do efeito de redemoinhos e círculos estilizados. Para o crítico de arte E.H. Gombrich, Van Gogh usava cada pincelada não só para dispersar a cor, mas também para externar sua excitação.
Entretanto, a vista do quarto do hospício de Saint-Rémy-de-Provence no verão de 1889, composta por poucas cores e impactantemente expressiva, está longe de ser a única tela capaz de retratar o artista como um todo. Desde criança, ele se destacava por sua inteligência que desafiava o olhar limitado do mundo convencional. O estar-no-mundo é uma das principais questões abordadas pela principal figura do pós impressionismo frente a suas angústias. Sua obra é resultado da auto expressão e instabilidade emocional.
Outra temática presente na arte de Van Gogh é a do trabalho. São feitas diversas críticas referentes à sociedade pragmática que visa ao lucro como finalidade exclusiva da atividade laboral. Sua relação com a problemática do ofício se dava também por sua religião, já que segundo a teoria da predestinação calvinista, ser empenhado em suas funções seria um sinal da pré seleção por Deus daqueles que seriam salvos.
Ao se colocar ao lado das vítimas sociais, ou seja, dos trabalhadores explorados e camponeses, o artista acabou não se tornando pintor por vocação, mas por desespero. Durante os primeiros trinta anos de vida, realizou diversas tentativas de inserção na ordem social e igreja oficial, mas a verdade é que Van Gogh não tinha o dom da palavra necessário para realizar o sonho de seguir pastor, sua força estava no modo como ele via e retratava o mundo ao seu redor.
Inspirado pela iluminação barroca dramática de Rembrandt, o mais reconhecido artista holandês até aquele momento, e representando a realidade de maneira menos do que Millet, pintor francês reconhecido pelo lirismo com que representou os trabalhadores rurais, o artista abordou o problema social e deu início a sua fase escura, a primeira de seu trabalho. Nesse período, tons sombrios simbolizam a miséria e o retrato da industrialização que acabou por privar os camponeses de uma vida luminosa. No quadro Os comedores de batatas, por exemplo, a exaltação do trabalho se faz óbvia, já que as mãos que tocam a comida são as mesmas que realizaram a ação que possibilitou a alimentação.
Em 1886, quando segue para França, Van Gogh se encontra com impressionistas e dá início a uma fase de cromatismo, na qual estuda variações de cor, e deixa de lado seus interesses sociais. Em Retrato do carteiro Roulin, o cromatismo dominante é o realce do amarelo-ouro sobre o azul do tecido da roupa do personagem e a realidade não é analisada, mas aceita passivamente. A espessura do pano do uniforme, a aspereza da barba e a transparência da pele são partes do que aprendeu com esses artistas.
Quando mudou-se para Arles, pintou algumas versões do Quarto em Arles. A tela mostra um cômodo de sua casa amarela e era uma de suas composições preferidas por retratar profunda tranquilidade. A perspectiva da obra é alterada porque, segundo Van Gogh, “se a distorção ajudasse a transmitir sua mensagem, ela seria usada”. Outra característica interessante da pintura são os contornos nítidos em cada um dos móveis, mostrando aproximação com gravuras japonesas. A duplicidade dos objetos representados na cena também chama atenção, a presença de dois quadros, duas jarras e duas cadeiras teria sido fruto de sua obsessão pela parceria com Gauguin, artista por quem ele nutria grande admiração e com o qual Vincent sonhava criar uma comunidade artística capaz de revolucionar o ramo.
A mutilação de sua orelha é, provavelmente, o ocorrido mais famoso do mundo da arte moderna. Teorias contam que, durante a parceria de dois meses de Gauguin, Van Gogh teria tido um surto psicótico e o ameaçado com uma faca. A briga terminou com Van Gogh cortando um pedaço da própria orelha. Duas semanas depois, o Autorretrato com a orelha enfaixada foi feito com o intuito de mostrar a iniciativa de voltar para a criação artística. O cavalete e a gravura japonesa atrás do autor comprovam tal intenção.
Van Gogh morreu sem conhecer a fama ou a fortuna. Uma de suas últimas obras foi Campo de Trigos com Corvos, que pode representar certa aceitação da morte. O céu ameaçador, os corvos e o caminho sem saída se referem ao fim de sua vida se aproximando e o azul expressa tristeza e solidão extrema. Concomitantemente, o campo representa o que há de forte na terra e remete às suas primeiras referências de trabalho. As cores são contrastantes, utilizando de vermelhos terrosos no caminho para intensificar as faixas verdes da grama.
Van Gogh foi um artista incompreendido que jamais encontrou seu lugar no mundo, nem mesmo em sua casa, cidade ou em qualquer outro lugar por onde tivesse passado. O único lugar em que conheceu o amor e a compreensão foi no amparo de Théo, seu irmão mais novo por quem tinha verdadeiro afeto. A lenda em torno de sua figura atormentada não se sobrepõe ao gênio que foi e à influência que exerceu no mundo das artes, tanto de sua época quanto após sua morte.